Segundo a Constituição Federal (art. 5º, inc. XI), “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”. Em resumo, como exceções ao princípio geral da inviolabilidade, permite-se o ingresso na casa da pessoa: 1) a qualquer hora, em caso de flagrante delito, desastre ou para prestação de socorro; 2) fora de tais hipóteses, somente por meio de mandado judicial e durante o dia. Tourinho Filho indica outras exceções que, embora não previstas em lei, admitiriam o ingresso na casa alheira. Assim, aquele que invade o domicílio em legítima defesa de terceiro, vítima de agressão praticada pelo dono da casa; ou quem o faz em estado de necessidade, fugindo de um perseguidor; há, ainda, a possibilidade de adentrar a casa no cumprimento de um dever legal (visita do mata-mosquito), ou no exercício regular de um direito, como na hipótese do art. 587 do Código Civil [atual art. 1.313, inc. I], que obriga o dono da casa a consentir a entrada do vizinho, ‘quando seja indispensável à reparação ou limpeza, construção e reconstrução de sua casa’” (Código de Processo Penal comentado, São Paulo: Saraiva, 2005, 9ª. Ed., p. 355).
Nesta seara, o crime de tráfico de drogas é peculiar, pois certas condutas que o caracterizam correspondem a crimes permanentes, cuja consumação se prolonga no tempo, admitindo o flagrante a qualquer momento. Dessa forma, o agente que, por exemplo, guarda ou tem em depósito determinada quantidade de droga em sua residência está continuamente em flagrante delito. Considerando a exceção trazida pelo próprio dispositivo constitucional a respeito da inviolabilidade do domicílio, conclui-se que o armazenamento de drogas em determinada residência admite a entrada de agentes policiais independentemente de autorização judicial.
Mas as circunstâncias nem sempre permitem a certeza de quem em determinado imóvel há drogas armazenadas. Muitas vezes os policiais obtêm informações, por meio de diligências, de que tal indivíduo mantém drogas em determinado lugar; há também situações em que indivíduos são abordados na rua, próximos a pontos de vendas de drogas, e acabam confessando que as têm armazenadas em algum lugar. Nesses casos, a jurisprudência do STJ se orienta, no geral, no sentido de que o mandado de busca e apreensão é prescindível, justamente porque se trata de crime permanente, que atrai a situação de flagrância:
“1. É dispensável o mandado de busca e apreensão quando se trata de flagrante de crime permanente, podendo-se realizar a prisão sem que se fale em ilicitude das provas obtidas. Doutrina. Precedentes do STJ e do STF. 2. No caso, o paciente foi acusado de praticar o crime de tráfico na modalidade guardar e manter em depósito substâncias entorpecentes, estando-se diante de ilícito de natureza permanente, o que legitima a medida adotada” (HC 373.388/RS, DJe 01/02/2017).
Essa orientação, contudo, não é irrestrita, e é aplicada de acordo com as circunstâncias do caso concreto, tanto que, em outra decisão, o STJ considerou ilegal a busca realizada por policiais que abordaram um indivíduo na rua, perseguiram-no até sua residência e, diante da suspeita de que ali havia drogas, efetuaram a busca sem mandado. Seria impossível, no caso, considerar lícita a violação do domicílio porque nenhuma diligência prévia indicava que na casa havia droga armazenada. O que levou os policiais a entrar na casa fora a mera intuição de que o local pudesse estar sendo utilizado para atividades ilícitas, sem, contudo, algo concreto que justificasse o afastamento da garantia constitucional. A situação de flagrância não havia sido identificada, com a segurança necessária, antes da entrada no imóvel, mas fora descoberta por acaso após a entrada.
Recentemente, todavia, o tribunal chancelou a busca realizada com base na suspeita fundada de que no imóvel havia droga. No caso, o agente havia sido abordado na rua e estava sem seus documentos pessoais, mas se prontificou a buscá-los em sua residência na companhia dos policiais, que, já no local, sentiram forte odor de maconha. Esta circunstância, aliada ao nervosismo demonstrado pelo agente, fez com que os policiais entrassem no imóvel para vistoriá-lo, oportunidade em que encontraram não só a maconha, mas também crack e cocaína.
Para o ministro Sebastião Reis Junior – que em decisão monocrática negou provimento a agravo regimental no habeas corpus (423.838/SP, j. 08/02/2018) – o relato dos policiais revelou fundadas razões para que a busca fosse realizada.
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