Súmula 600 do STJ: “Para configuração da violência doméstica e familiar prevista no artigo 5º da lei 11.340/2006, lei Maria da Penha, não se exige a coabitação entre autor e vítima”.
COMENTÁRIOS:
O art. 5º da Lei 11.340/06 define o que se entende por violência doméstica e familiar contra a mulher. Trata-se de qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:
I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;
II – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.
O inciso III, de forma ampla (tornando, ao que parece, dispensáveis os incisos anteriores) etiquetou como violência “doméstica” qualquer agressão inserida em um relacionamento estreito entre duas pessoas, fundado em camaradagem, confiança, amor etc.
Para alguns, não sem razão, a extensão do dispositivo (relação de intimidade) extrapolou o espírito dos tratados ratificados pelo Brasil, pois mais restritos, protegendo a mulher de forma diferenciada somente no seu ambiente doméstico. Nesse sentido, escreve Guilherme de Souza NucciLeis penais e processuais penais comentadas. São Paulo: RT, 2006. p. 865:
“Cremos ser inaplicável o disposto no inc. III do art. 5.º, desta lei, para efeitos penais. Na Convenção Interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher, no art. 2.º, § 1.º [rectius: alínea a], prevê-se que a violência contra a mulher tenha ocorrido ‘dentro da família ou unidade doméstica ou em qualquer outra relação interpessoal, em que o agressor conviva ou tenha convivido no mesmo domicílio que a mulher e que compreende, entre outros, estupro, violação, maus-tratos e abuso sexual’. Logo, é bem menos abrangente do que a redação do inc. III do art. 5.º da Lei 11.340/2006. Exige-se, no texto da Convenção, a existência de coabitação atual ou passada. Na Lei 11.340/2006 basta a convivência presente ou passada, independentemente de coabitação. Ora, se agressor e vítima não são da mesma família e nunca viveram juntos, não se pode falar em violência doméstica e familiar. Daí emerge a inaplicabilidade do disposto no inc. III”.
Não obstante a pertinência da crítica, a Lei 11.340/06 vem sendo aplicada independentemente da coabitação, bastando a relação íntima de afeto que possa fundamentar a incidência de proteção especial. Esse é o entendimento há tempos adotado pelo STJ:
“O namoro é uma relação íntima de afeto que independe de coabitação; portanto, a agressão do namorado contra a namorada, ainda que tenha cessado o relacionamento, mas que ocorra em decorrência dele, caracteriza violência doméstica” (CC 96.532/MG, DJe 19/12/2008).
“Consoante entendimento desta Corte, a relação existente entre o sujeito ativo e o passivo de determinado delito deve ser analisada em face do caso concreto, para verificar a aplicação da Lei Maria da Penha, sendo desnecessário que se configure a coabitação entre eles” (HC 184.990/RS, DJe 09/11/2012).
Agora, para dirimir qualquer resquício de dúvida, o STJ editou a súmula nº 600:
“Para configuração da violência doméstica e familiar prevista no artigo 5º da lei 11.340/2006, lei Maria da Penha, não se exige a coabitação entre autor e vítima”.