Parece que está enraizada, no sistema jurídico brasileiro, a tradição de um final de ano sempre aquecido de novidades. E 2017 parece que não será diferente.
Já se encaminhou para a sanção presidencial um projeto de lei com profundas alterações na adoção, enquanto um outro estabelecerá consideráveis alterações na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Ainda no âmbito normativo, o Conselho Federal de Medicina anunciou modificações na regulamentação da gestação em útero alheio (apelidada de “barriga de aluguel”) e na fertilização medicamente assistida.
Ao que tudo indica, teremos muitos temas para estudo.
Nessa mesma onda, o STJ editou, nessa semana, o Enunciado 596 da Súmula de sua jurisprudência, consolidando o seu entendimento sobre a obrigação alimentícia avoenga: “ a obrigação alimentar dos avós tem natureza complementar e subsidiária, configurando-se apenas na impossibilidade total ou parcial de seu cumprimento pelos pais.”
O texto é muito mais declarativo do que constitutivo, na medida em que afirma o caráter subsidiário da obrigação alimentar dos avós, confirmando o que já constava da redação do art. 1.698 do CC/02. Até aí, nenhuma novidade: os avós somente respondem se os pais não puderem fazê-lo. Por rigor lógico, os bisavós também só respondem subsidiariamente e assim sucessivamente.
A Súmula esclarece, de todo modo, que, além de subsidiário, esse dever alimentar avoengo é também complementar. É dizer: os avós respondem quando os pais não podem garantir a subsistência de sua prole no todo ou em parte. Com isso, há um realce em um fato de relevância prática: a ação deve ser ajuizada primeiro contra os pais, mesmo que tenham capacidade contributiva reduzida. Somente depois, quando demonstrada a extensão da capacidade financeira dos pais (ainda que ínfima), será possível demandar os avós, subsidiária e complementarmente.
A posição do STJ (inclusive consolidada nos precedentes que ensejaram a Súmula) é clara: não cabe uma ação contra pais e avós simultaneamente. Até porque essa obrigação não é solidária. Contra os avós, somente em caráter subsidiário e complementar.
No ponto, parece que se obsta um litisconsórcio passivo entre pais e avós. Em uma visão perfunctória, é o que parece, realmente. Todavia, urge chamar a atenção para um ponto de alta relevância prática: não se pode negar o cabimento de um litisconsórcio passivo sucessivo entre pais e avós. Trata-se de uma figura processual útil para ensejar economia de tempo e efetividade do provimento jurisdicional. Consiste na possibilidade de formar litisconsórcio entre diferentes sujeitos, com pedidos sucessivos em relação a cada um deles, de modo que o segundo pedido só será apreciado se negado o primeiro.
Na ação de alimentos, seria o caso de um pedido direcionado ao pai, mas contendo um outro pedido sucessivo, este dirigido aos avós. Exemplificando: o autor (credor) quer alimentos do pai/mãe; se o réu não tiver condições (totais ou parciais), deseja receber dos avós. Se o primeiro réu tiver condições de suportar totalmente o encargo, não se analisa, sequer, o segundo pedido.
Por óbvio, a instrução do processo deve ensejar a produção de provas a todas as partes, destacando que o segundo acionado pode ter interesse em provar a capacidade contributiva plena do pai/mãe, para se ver livre do encargo, sem prejuízo de demonstrar outros fatos (teoria da carga dinâmica probatória, acatada pelo art. 373 do novo CPC).
O que não se pode tolerar é o ajuizamento de ações de alimentos contra avós por conveniência, vindita ou chantagem. A responsabilidade alimentícia é, preferencialmente, dos pais! Uma eventual dificuldade de demandar os pais não é suficiente para acionar os avós. Porém, a impossibilidade de custear, no todo ou em parte, o sustento deve autorizar a cobrança dos avós, sim. É o caso de um pai que, eventualmente, está preso ou desempregado. Malgrado não sejam motivos de exoneração da obrigação pelos pais, pode ensejar complementação pelos avós.
A Súmula, portanto, reclama uma interpretação cuidadosa sob o prisma processual, de modo a não eliminar possibilidades de litisconsórcio sucessivo, reconhecidas pela melhor técnica processual (vide, a respeito, as consistentes obras de CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO e FREDIE DIDIER Jr).
Para além disso, vale a lembrança de que a complexidade da relação familiar enseja que se reconheça, por outro lado, o direito de visitação avoenga. Ou seja, os avós podem exigir a convivência familiar com os netos, inclusive, se preciso, por regulamentação judicial, impondo aos pais garantir o convívio familiar às crianças e adolescentes. Como diz o sábio ditado, “a todo bônus, correspondem ônus e vice-versa”. A mim parece salutar essa convivência com os avós, até porque garante o desenvolvimento de uma personalidade no menor, com melhor compreensão da multiplicidade da vida.
Não é só. Os avós podem, eventualmente, ter a guarda dos netos, como forma de colocação em família substituta, sem afetar o exercício do poder familiar pelos pais (ECA, art. 33). Seria o caso de netos que já estão sob a responsabilidade fática dos avós, no âmbito pessoal e patrimonial. Por óbvio, porém, não se pode utilizar a guarda pelos avós como mecanismo de fraudes previdenciárias, apenas para transmitir benefícios a serem deixados por avós. Efetivamente, a guarda avoenga exige demonstração de que os avós já estão prestando assistência moral e material ao neto, cuidando-se, tão só, de regularização de prévia situação de fato (sobre o tema, já sustentamos essa posição de há muito – Curso de Direito Civil: Famílias, vol 6).
Em tempos de avanços da Medicina, incrementando uma maior longevidade das pessoas, aumentada a expectativa de vida, é preciso dedicar atenção e estudos aos efeitos do Direito das Famílias sobre os avós. Alimentos, visitação, guarda etc. precisam estar vocacionados à dinâmica da relação avoenga, que se mostra de vital importância nas famílias brasileiras.
E, para além disso, seria possível adaptar outros institutos jurídicos aos avós. Poderíamos, por exemplo, prospectar o cabimento de uma licença avoenga para que avós tenham direito a uma licença das atividades laborativas para cuidar dos netos – ou, se for o caso, auxiliar no cuidado. Até porque tem muitos avós que, na prática, são mais pais do que os próprios pais…
É preciso, pois, refletir sobre os efeitos das relações familiares avoengas, não apenas pelo ângulo da imposição de obrigações, mas, também, do reconhecimento de direitos. Aliás, a escrita sensível de FABRÍCIO CARPINEJAR bem adverte que “os filhos só vão respeitar os pais se respeitarem os avós”.