1. INTRODUÇÃO
Em regra, encerrada a audiência, as alegações finais devem ser oferecidas oralmente. No entanto, excepcionalmente, em razão da complexidade do caso ou do número de acusados, o juiz pode abrir prazo para que as partes ofereçam as alegações finais por escrito – ou, como diz o CPP, por memoriais.
2. COMO IDENTIFICAR A PEÇA
O problema dirá que já ocorreu audiência de instrução, mas o juiz ainda não sentenciou.
3. FUNDAMENTO
Art. 403, § 3º, do CPP § 3o O juiz poderá, considerada a complexidade do caso ou o número de acusados, conceder às partes o prazo de 5 (cinco) dias sucessivamente para a apresentação de memoriais. Nesse caso, terá o prazo de 10 (dez) dias para proferir a sentença. ou art. 404 Art. 404. Ordenado diligência considerada imprescindível, de ofício ou a requerimento da parte, a audiência será concluída sem as alegações finais., parágrafo único (hipótese específica! Leia o dispositivo). Em memoriais no júri, é interessante também mencionar o art. 394, §§ 4º§ 4º As disposições dos arts. 395 a 398 deste Código aplicam-se a todos os procedimentos penais de primeiro grau, ainda que não regulados neste Código. e 5º § 5º Aplicam-se subsidiariamente aos procedimentos especial, sumário e sumaríssimo as disposições do procedimento ordinário. , do CPP.
4. PRAZO
O prazo é de 5 dias. Fique esperto: a FGV costuma pedir que a peça seja datada no último dia de prazo. Por ser prazo processual, deve ser contado o dia “zero” – o primeiro é excluído e o último é incluído. Ex.: se a intimação se deu no dia 5, o prazo encerra no dia 10. Se o problema não falar em dia da semana, faça a contagem sem considerar sábado, domingo ou feriado. No entanto, se o enunciado disser que a intimação ocorreu em uma sexta-feira, por exemplo, a sua contagem deve começar a partir de segunda-feira. Ex.: a intimação ocorreu no dia 5, uma sexta-feira. O prazo encerra no dia 12.
5. NOMENCLATURA
Não é errado dizer apenas “memoriais”. A própria FGV, no IX Exame de Ordem, utilizou a expressão. Entretanto, no XIV, no XVII e no XX Exames de Ordem, a banca passou a utilizar a nomenclatura “alegações finais por memoriais”. Considerando os erros grosseiros de correção ocorridos em provas passadas, acho interessante adotar a última expressão utilizada, “alegações finais por memoriais”, por ser mais completa. De qualquer forma, o que realmente importa é que a palavra “memoriais” esteja em sua peça. Jamais diga apenas “alegações finais”.
6. TESES DE DEFESA
Neste ponto, é preciso ficar atento ao rito processual do caso a ser resolvido. Tendo isso em mente, este tópico foi dividido em dois pontos: comum e júri.
6.1. Rito Comum
Em sua peça, os seguintes pontos devem ser perseguidos:
a) falta de justa causa: procure no enunciado alguma hipótese de absolvição do art. 386 do CPPArt. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça: I - estar provada a inexistência do fato; II - não haver prova da existência do fato; III - não constituir o fato infração penal; IV – estar provado que o réu não concorreu para a infração penal; V – não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal; VI – existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena (arts. 20, 21, 22, 23, 26 e § 1o do art. 28, todos do Código Penal), ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência; VII – não existir prova suficiente para a condenação. . Se houver mais de uma causa de absolvição, você deverá mencionar todos os incisos do art. 386 aplicáveis ao seu caso. Ex.: o réu praticou o crime em legítima defesa e não há provas suficientes contra ele. Neste caso, as duas teses deveriam ser sustentadas, e a absolvição seria pedida nos termos do art. 386, VI e VII, do CPP;
b) nulidades processuais: veja se o juiz não é incompetente, se a parte não é legítima ou se houve algum furo durante a marcha processual (ex.: vício na citação, falta de prazo para resposta à acusação, alguma nulidade na audiência etc.). Identificada a nulidade, peça a anulação do processo desde a época em que o vício surgiu, e fundamente no art. 564 do CPP Art. 564. A nulidade ocorrerá nos seguintes casos: I - por incompetência, suspeição ou suborno do juiz; II - por ilegitimidade de parte; III - por falta das fórmulas ou dos termos seguintes: a) a denúncia ou a queixa e a representação e, nos processos de contravenções penais, a portaria ou o auto de prisão em flagrante; b) o exame do corpo de delito nos crimes que deixam vestígios, ressalvado o disposto no Art. 167; c) a nomeação de defensor ao réu presente, que o não tiver, ou ao ausente, e de curador ao menor de 21 anos; d) a intervenção do Ministério Público em todos os termos da ação por ele intentada e nos da intentada pela parte ofendida, quando se tratar de crime de ação pública; e) a citação do réu para ver-se processar, o seu interrogatório, quando presente, e os prazos concedidos à acusação e à defesa; f) a sentença de pronúncia, o libelo e a entrega da respectiva cópia, com o rol de testemunhas, nos processos perante o Tribunal do Júri; g) a intimação do réu para a sessão de julgamento, pelo Tribunal do Júri, quando a lei não permitir o julgamento à revelia; h) a intimação das testemunhas arroladas no libelo e na contrariedade, nos termos estabelecidos pela lei; i) a presença pelo menos de 15 jurados para a constituição do júri; j) o sorteio dos jurados do conselho de sentença em número legal e sua incomunicabilidade; k) os quesitos e as respectivas respostas; l) a acusação e a defesa, na sessão de julgamento; m) a sentença; n) o recurso de oficio, nos casos em que a lei o tenha estabelecido; o) a intimação, nas condições estabelecidas pela lei, para ciência de sentenças e despachos de que caiba recurso; p) no Supremo Tribunal Federal e nos Tribunais de Apelação, o quorum legal para o julgamento; IV - por omissão de formalidade que constitua elemento essencial do ato. (procure o inciso adequado) e em algum outro dispositivo que tenha sido violado (ex.: art. 396 Art. 396. Nos procedimentos ordinário e sumário, oferecida a denúncia ou queixa, o juiz, se não a rejeitar liminarmente, recebê-la-á e ordenará a citação do acusado para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias. , caso o juiz não tenha dado prazo para resposta à acusação);
c) extinção da punibilidade: veja se o enunciado não traz alguma causa de extinção da punibilidade do art. 107 do CP. Ademais, veja nas disposições gerais do delito que estão imputando ao réu se não existe alguma causa especial de extinção da punibilidade;
d) excessos na punição: em memoriais, certamente a FGV pontuará pedidos referentes à correta aplicação da pena. Para não ter problemas, siga o seguinte passo a passo:
d.1) veja se as circunstâncias judiciais são favoráveis (CP, art. 59Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: I - as penas aplicáveis dentre as cominadas; II - a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos; III - o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade; IV - a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível.) e peça que a pena seja fixada no mínimo legal;
d.2) peça o afastamento de qualificadoras e a incidência de privilégios;
d.3) peça o afastamento de agravantes e a incidência de atenuantes;
d.4) peça o afastamento de causas de aumento e a incidência de causas de diminuição;
d.6) peça a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos (CP, art. 44 Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando: I – aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo; II – o réu não for reincidente em crime doloso; III – a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente.);
d.7) se não for possível a substituição, peça a suspensão da pena (CP, art. 77Art. 77 - A execução da pena privativa de liberdade, não superior a 2 (dois) anos, poderá ser suspensa, por 2 (dois) a 4 (quatro) anos, desde que: I - o condenado não seja reincidente em crime doloso; II - a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias autorizem a concessão do benefício; III - Não seja indicada ou cabível a substituição prevista no art. 44 deste Código.).
Por fim, veja se não é possível a desclassificação para um delito menos grave – caso isso ocorra, faça a análise de falta de justa causa, de nulidade e de extinção da punibilidade em relação ao delito menos grave. Familiarize-se com os institutos da emendatio libelli e mutatio libelli (CPP, arts. 383Art. 383. O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em conseqüência, tenha de aplicar pena mais grave. e 384 Art. 384. Encerrada a instrução probatória, se entender cabível nova definição jurídica do fato, em conseqüência de prova existente nos autos de elemento ou circunstância da infração penal não contida na acusação, o Ministério Público deverá aditar a denúncia ou queixa, no prazo de 5 (cinco) dias, se em virtude desta houver sido instaurado o processo em crime de ação pública, reduzindo-se a termo o aditamento, quando feito oralmente. ).
6.2. Rito do Júri
No júri, busque as seguintes teses:
a) falta de justa causa: veja se o enunciado não traz alguma hipótese de absolvição sumária, do art. 415Art. 415. O juiz, fundamentadamente, absolverá desde logo o acusado, quando: I – provada a inexistência do fato; II – provado não ser ele autor ou partícipe do fato; III – o fato não constituir infração penal; IV – demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime. do CPP. Se a tese for a falta de provas, peça a impronúncia, com fundamento no art. 414Art. 414. Não se convencendo da materialidade do fato ou da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, o juiz, fundamentadamente, impronunciará o acusado. do CPP. Fique atento: pode ser que o réu esteja respondendo por dois delitos (ex.: homicídio e estupro) e você tenha de sustentar a falta de justa causa em relação a um deles ou aos dois;
b) nulidades processuais: procure por nulidades e peça a anulação do processo desde o vício encontrado. Na hipótese de incompetência, fique esperto: o art. 419, “caput”Art. 419. Quando o juiz se convencer, em discordância com a acusação, da existência de crime diverso dos referidos no § 1o do art. 74 deste Código e não for competente para o julgamento, remeterá os autos ao juiz que o seja., trata especificamente desta situação no rito do júri;
c) extinção da punibilidade: vale o que já foi dito sobre esta hipótese no rito comum;
d) excessos na punição: como, logo após a audiência de instrução, não pode o magistrado condenar o réu, não há o que se falar em circunstâncias judiciais, em fixação de regime, em substituição da pena ou em suspensão da pena. Em sua prova, é bem provável que a banca explore três pontos: o afastamento de qualificadora (o STJ fala em “decotar qualificadora”); o afastamento de causa de aumento; a desclassificação para delito menos gravoso – nesta última hipótese, você terá de fazer a análise da falta de justa causa, de nulidades e de extinção da punibilidade em relação ao crime menos gravoso.
Nas cinco vezes (contando com a reaplicação) em que caiu a peça, a FGV pediu as seguintes teses:
IMAGEM ANEXADA
7. MODELO DE PEÇA
EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA … VARA CRIMINAL DA COMARCA …
Observações: fique atento à competência do júri e à competência da Justiça Federal.
FULANO, já qualificado nos autos, vem, por seu advogado, oferecer ALEGAÇÕES FINAIS POR MEMORIAIS, com fundamento no art. 403, § 3º, do Código de Processo Penal, pelas razões a seguir:
Observações: como o réu já foi qualificado, não precisa qualificá-lo novamente. Sobre o nome da peça, como já expliquei, não é errado dizer apenas “memoriais”, mas a FGV, nas duas últimas vezes em que cobrou a peça, adotou a expressão “alegações finais por memoriais”.
I. DOS FATOS
O acusado manteve relações sexuais com FULANA, que tinha 13 anos na época dos fatos. No entanto, por ter conhecido FULANA em uma festa onde apenas maiores de idade poderiam entrar, o réu imaginou que a vítima tinha idade superior a 18 anos.
Em juízo, a vítima disse que, no dia em que conheceu o réu, mentiu a respeito de sua idade, afirmando ser “maior de 18 anos e acadêmica de Direito”. Duas testemunhas, Chico e João, confirmaram o relato da vítima.
O Ministério Público denunciou FULANO pela prática do crime de estupro de vulnerável, nos termos do art. 217-A do Código PenalArt. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos. , e pediu a sua condenação em memoriais.
Observações: no tópico “dos fatos”, apenas resuma o enunciado.
II. DO DIREITO
Portanto, excelência, está claro que o réu agiu em erro de tipo essencial, com fundamento no artigo 20, “caput”, do Código PenalArt. 20 - O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei., devendo ser absolvido, com fundamento no art. 386, VI, do Código de Processo Penal. Isso porque ele não poderia imaginar que FULANA tinha menos de 14 anos, afinal, ele a conheceu em uma festa onde apenas maiores de idade poderiam entrar. Além disso, ela mentiu a respeito de sua idade, induzindo o réu em erro.
Ademais, ainda que seja condenado, o réu faz jus à atenuante da menoridade relativa, do art. 65, I, do Código PenalArt. 65 - São circunstâncias que sempre atenuam a pena: I - ser o agente menor de 21 (vinte e um), na data do fato, ou maior de 70 (setenta) anos, na data da sentença;, pois tinha apenas 20 anos na época dos fatos. Além disso, não há circunstância judiciais negativas, razão pela qual a pena deve ser fixada no mínimo legal. Por fim, o regime inicial deve ser o semiaberto, nos termos do art. 33, § 2º, “b”, do Código Penal § 2º - As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado, observados os seguintes critérios e ressalvadas as hipóteses de transferência a regime mais rigoroso: a) o condenado a pena superior a 8 (oito) anos deverá começar a cumpri-la em regime fechado; b) o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e não exceda a 8 (oito), poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semi-aberto; c) o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto.. Embora o crime seja hediondo, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a inconstitucionalidade do art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90§ 1º A pena por crime previsto neste artigo será cumprida inicialmente em regime fechado. .
Observações: pode parecer um absurdo pedir absolvição e, em seguida, benefícios em caso de condenação. Em um caso verdadeiro, você provavelmente não faria isso. Entretanto, como se trata de Exame de Ordem, é preciso esgotar todas as teses favoráveis ao réu.
III. DO PEDIDO
Diante do exposto, requer a absolvição do réu, nos termos do art. 386, VI, do Código de Processo Penal, por atipicidade em razão de erro de tipo, com fundamento no art. 20, “caput”, do Código Penal.
Subsidiariamente, em caso de condenação, requer a fixação da pena no mínimo legal, a incidência da atenuante da menoridade relativa, do art. 65, I, do Código Penal, e a imposição de regime semiaberto, com fundamento no art. 33, § 2º, “b”, do Código Penal.
Observações: o pedido é a consequência lógica do que foi sustentado no tópico “do direito”. Na hora da prova, releia as suas teses e veja se pediu tudo o que deve ser pedido.
Pede deferimento.
Comarca, data.
Advogado.
Observações: a FGV costuma pedir que a peça seja datada no último dia de prazo. Fique esperto!