A regra geral estabelecida no Código de Processo Penal é de que toda pessoa pode ser testemunha (art. 202), assim considerada a pessoa física que narra em juízo qualquer circunstância a respeito de determinada prática delituosa de que tenha conhecimento.
Ao dispor que toda pessoa pode servir como testemunha, procurou o Código afastar qualquer espécie de preconceito, deixando a critério do julgador, em uma análise global do conjunto probatório, a valoração de cada depoimento de acordo com os princípios da busca da verdade real e da livre apreciação da prova. Segundo Hélio TornaghiCurso de processo penal, 1990, vol. 1, p. 397, “essa norma é o resultado de longa elaboração doutrinária e legislativa, baseada na experiência de muitos séculos. Em tempos passados, eram muitos os casos de incapacidade decorrente de sexo, situação civil, de idade, das relações com quaisquer das partes, do parentesco, da afinidade, da vida pregressa etc. Hoje em dia, ao contrário, entende-se que qualquer pessoa pode depor em juízo, cabendo ao juiz ponderar o depoimento e dar-lhe o valor que ele merecer. Ainda mesmo a menoridade, a insanidade mental, a paixão, não impedem alguém de testemunhar, isto é, de assistir a um ato, de percebê-lo, de retê-lo e de o reproduzir fielmente. Nada disso é impossível. Claro que o juiz deve aferir cada um desses elementos; mas isso é matéria de avaliação e não de admissibilidade do testemunho”.
O valor da prova testemunhal sempre foi objeto de extenso debate. É conhecida a observação de Mittermaier sobre a “prostituta das provas”, com o que não concorda Ary de Azevedo Franco Código de Processo Penal. Rio de Janeiro; Editora A noite, 1950, p. 224 ao declarar que testemunhas são os olhos e os ouvidos da Justiça porque é por meio delas que se apuram os fatos transeuntes, que não se deixam assinalar por vestígios.
A maior controvérsia nesse debate talvez resida na validade do depoimento de policiais.
Parte da jurisprudência vê com enormes reservas essa espécie de depoimento. Afinal – argumentam – se o policial foi o responsável pela prisão do réu, buscará, sempre, conferir ares de legalidade ao seu ato. Em vista da posição antagônica em que se encontra em relação ao acusado, sua tendência seria de carregar nas cores, pintando um quadro mais grave do que o efetivamente verificado, de modo a prejudicar a situação do agente.
Há, de outra parte, posicionamento francamente favorável ao depoimento de policiais. É que, tendo participado diretamente da diligência que culminou com a deflagração de processo contra o réu, mais do que ninguém se encontra preparado para depor sobre os fatos. Demais disso, importaria em verdadeiro contrassenso que o Estado, de um lado, habilitasse o agente a prestar-lhe serviços, mediante, inclusive, ingresso na carreira por um concurso público para, de outro, negar credibilidade a seu depoimento.
A nosso ver, não há nenhum óbice à tomada de depoimentos por parte de policiais, não só porque são eles que em inúmeros casos – como de apreensão de drogas, por exemplo – podem atestar com fidedignidade o que realmente aconteceu, como também porque, em muitas situações, pessoas – particulares – que presenciaram o delito se recusam a colaborar, afirmando que nada viram, por receio de represálias ou mesmo para apoiar o próprio criminoso. Não há razão plausível para colocar sob suspeita o relato de um agente público legitimado para o combate ao crime simplesmente em razão de sua condição. Seu testemunho deve ser tomado sem nenhuma espécie de reserva a esse respeito, e deve ser cotejado – como qualquer outro – com outros elementos probatórios que integrem o processo. Se não há indicação de vício no relato apresentado, é plenamente possível sua utilização para fundamentar a sentença condenatória. O simples fato de que a testemunha é policial não pode jamais servir para desacreditá-la.
Assim se firmou a orientação do Superior Tribunal de Justiça:
(…) 2. Não obstante as provas testemunhais advirem de agentes de polícia, a palavra dos investigadores não pode ser afastada de plano por sua simples condição, caso não demonstrados indícios mínimos de interesse em prejudicar o acusado, mormente em hipótese como a dos autos, em que os depoimentos foram corroborados pelo conteúdo das interceptações telefônicas, pela apreensão dos entorpecentes – 175g de maconha e aproximadamente 100g de cocaína -, bem como pelas versões consideradas pelo acórdão como inverossímeis e permeadas por várias contradições e incoerências apresentadas pelo paciente e demais corréus. 3. É assente nesta Corte o entendimento no sentido de que o depoimento dos policiais prestado em juízo constitui meio de prova idôneo a resultar na condenação do paciente, notadamente quando ausente qualquer dúvida sobre a imparcialidade das testemunhas, cabendo à defesa o ônus de demonstrar a imprestabilidade da prova, fato que não ocorreu no presente caso (HC 165.561⁄AM, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, DJe 15⁄02⁄2016). Súmula nº 568⁄STJ” (HC 393.516/MG, j. 20/06/2017).
Também o Supremo Tribunal Federal – ainda que indiretamente – admitiu a validade do depoimento de policiais para fundamentar a condenação:
“Agravo regimental em recurso ordinário em habeas corpus. 2. Tráfico ilícito de entorpecentes e associação para o tráfico (art. 33, caput, c/c art. 35, caput, da Lei n. 11.343/2006). Condenação. 3. Alegação de cerceamento de defesa. Suposta nulidade absoluta em razão da não apreciação de pedido de reperguntas ao corréu. Inocorrência. A condenação está amparada em amplo contexto probatório produzido durante a instrução, sobretudo em depoimentos dos policiais que prenderam o recorrente em flagrante e em monitoramento telefônico. A sentença não fez referência à confissão do corréu para fundamentar o juízo condenatório do acusado. 4. Agravo regimental a que se nega provimento” (RHC 123731 AgR/SP, j. 31/05/2016).
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