A figura da AÇÃO CONTROLADA, meio extraordinário de obtenção de provas, já era conhecida em nosso ordenamento jurídico, porquanto prevista na revogadaLei nº 9.034/95 (organizações criminosas) e na Lei 11.343/06Art. 53 da Lei nº 11.343/06 (Lei de Drogas): “Em qualquer fase da persecução criminal relativa aos crimes previstos nesta Lei, são permitidos, além dos previstos em lei, mediante autorização judicial e ouvido o Ministério Público, os seguintes procedimentos investigatórios: II – a não-atuação policial sobre os portadores de drogas, seus precursores químicos ou outros produtos utilizados em sua produção, que se encontrem no território brasileiro, com a finalidade de identificar e responsabilizar maior número de integrantes de operações de tráfico e distribuição, sem prejuízo da ação penal cabível”. Parágrafo único. Na hipótese do inciso II deste artigo, a autorização será concedida desde que sejam conhecidos o itinerário provável e a identificação dos agentes do delito ou de colaboradores., esta ainda em vigor.
O art. 8o. da Lei 12.850/13Art. 8o Consiste a ação controlada em retardar a intervenção policial ou administrativa relativa à ação praticada por organização criminosa ou a ela vinculada, desde que mantida sob observação e acompanhamento para que a medida legal se concretize no momento mais eficaz à formação de provas e obtenção de informações., nova lei de repressão às organizações criminosas, praticamente reproduziu a redação do art. 2º, inc. II da Lei nº 9.034/95 e cuida exatamente de conceituar essa modalidade de obtenção de prova. A revogada lei de organização criminosa era um tanto lacunosa no que se referia à ação controlada, pois cuidava do tema em um único artigo, carecendo, por isso, de uma regulamentação mais precisa. Apenas para demonstrar o quanto era vaga a lei, pairava dúvida na doutrina até mesmo quanto à necessidade de supervisão judicial na realização da diligência.
A Lei 12.850/13 supriu essa omissão ao prever a possibilidade de o juiz estabelecer os limites do retardamento da ação policial, o sigilo da diligência e a possibilidade de acesso, a todo tempo, do magistrado, do Ministério Público e do delegado de polícia aos autos.
Em suma, a Lei 12.850/13 detalhou a diligência, fincou seus limites e permitiu seu controle, de modo a propiciar mais eficácia ao instituto e, por consequência, sua maior adoção na prática policial.
Na ação controlada, ao invés de agir de pronto, o agente público aguarda o momento oportuno para atuar, a fim de obter, com esse retardamento, um resultado mais eficaz em sua diligência. Com essa estratégia, portanto, deixa-se de prender em flagrante o infrator de pronto, para, prorrogando-se a ação policial, se obter uma prova mais robusta e mesmo uma diligência mais bem-sucedida. Daí porque se costuma denominar essa espécie de flagrante como retardado, esperado, diferido ou prorrogado.
Como ensina, outrossim, Eduardo Araújo da SilvaSILVA, Eduardo Araujo da. Crime organizado: procedimento probatório. São Paulo: Atlas, 2003, p. 93, “a prática tem demonstrado que, muitas vezes, é estrategicamente mais vantajoso evitar a prisão, num primeiro momento, de integrantes menos influentes de uma organização criminosa, para monitorar suas ações e possibilitar a prisão de um número maior de integrantes ou mesmo a obtenção de prova em relação a seus superiores na hierarquia da associação”.
Relevante inovação trazida pelo art. 8. da nova Lei, e que não é prevista na Lei de Drogas, consiste na possibilidade do retardamento da intervenção policial ou administrativa. De sorte que, enquanto a Lei nº 11.343/2006 faculta a não-atuação apenas em diligências policiais (efetuadas, privativamente, pelas policias federal e civilArt. 144, inc. I e § 4º da Constituição), a Lei 12.850/13 estende tal possibilidade às intervenções administrativas. Agentes das receitas estaduais e federal, componentes da Agência Brasileira de Inteligência, membros de corregedorias, por exemplo, são autoridades administrativas cujas diligências podem sofrer o retardamento aqui analisado.
Questão tormentosa se refere à necessidade de prévio mandado judicial para que seja autorizado o retardamento da ação. A revogada Lei nº 9.034/95 não exigia a prévia autorização judicial. Era o entendimento da jurisprudência"Organização criminosa. Ação policial controlada. Artigo 2º, inciso II, da Lei 9.034/95. Prévia autorização judicial. Ausência de previsão legal. Constrangimento ilegal não evidenciado. Ordem denegada. 1. Da mesma forma, à míngua de previsão legal, não há como reputar nulo o procedimento investigatório levado a cabo na hipótese em apreço, tendo em vista que o artigo 2º, inciso II, da Lei 9.034/95 não exige prévia autorização judicial para a realização da chamada ‘ação policial controlada’, a qual in casu, culminou na apreensão de cerca de 450 kg (quatrocentos e cinquenta quilos) de cocaína” (HC 119.205/MS, Rel. Min. Jorge Mussi, 5ª. Turma, julgado em 29.09.2009, DJe de 16.11.2009), conquanto merecesse alguma crítica da doutrinaNo sentido de exigir a prévia autorização judicial, sob pena de se transformar em uma “ação descontrolada”, cf. Marcelo Mendroni, Crime organizado: aspectos gerais e mecanismos legais. 3ª. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 65. Em sentido contrário, entendendo dispensável autorização judicial, Paulo César Côrrea Borges. O crime organizado. São Paulo: Editora Unesp, 2002, p. 75.. Já a lei de drogas (Lei nº 11.343/2006), como se depreende do teor do “caput” de seu art. 53, é expressa ao exigir o mandado judicial para a diligência.
Pensamos, contudo, que o art. 8o, §1o., da Lei 12.850/13§ 1o O retardamento da intervenção policial ou administrativa será previamente comunicado ao juiz competente que, se for o caso, estabelecerá os seus limites e comunicará ao Ministério Público. não cogita de autorização judicial para que se concretize a ação controlada. Veja-se que a lei faz menção à mera “comunicação ao juiz competente”, quando este poderá estabelecer os limites da diligência. Mas não exige, em nenhum momento, ordem judicial que a autorize. Aliás, quando pretendeu condicionar alguma diligência dessa maneira, o legislador o fez expressamente, como ao tratar, da infiltração no art. 10Art. 10. A infiltração de agentes de polícia em tarefas de investigação, representada pelo delegado de polícia ou requerida pelo Ministério Público, após manifestação técnica do delegado de polícia quando solicitada no curso de inquérito policial, será precedida de circunstanciada, motivada e sigilosa autorização judicial, que estabelecerá seus limites..
E parece mesmo justificável essa distinção. A rapidez que é peculiar à ação controlada, não se coaduna mesmo com a exigência de prévia autorização judicial. Imagine-se se, para aguardar a chegada dos demais membros da organização criminosa, como no nosso exemplo acima, tivessem os policiais que obter um mandado judicial que autorizasse essa prorrogação da prisão. O insucesso da diligência, nesse caso, estaria garantido, salvo se, por absurdo, se admitisse que o juiz, pessoalmente, acompanhasse toda a diligência, em atitude que, além de reduzida possibilidade de implantação prática, ainda infringiria o sistema acusatório que orienta nosso ordenamento jurídico. Faz-se a ressalva, todavia, para os delitos relativos a drogas e que não envolvam a criminalidade organizada, quando, aí sim, por expressa disposição legal, exige-se ordem judicial autorizadora da operação, na dicção do art. 53 da Lei nº 11.343/06.
Para se aprofundar:
CRIME ORGANIZADO – COMENTÁRIOS À NOVA LEI SOBRE CRIME ORGANIZADO (LEI N. 12.850/13) (2016)