Disciplinando o instituto da colaboração premiada, o art. 4º da Lei nº 12.850/13 permite ao juiz, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até dois terços a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos. Trata-se da possibilidade que detém o autor do delito de obter benefícios desde que, de forma eficaz e voluntária, auxilie na obtenção de ao menos um dos resultados previstos nos incisos I a V do art. 4ºI - a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas; II - a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa; III - a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa; IV - a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa; V - a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada..
É comum que o acordo de colaboração premiada seja celebrado com agentes que se encontram presos cautelarmente. Isso não só em razão da gravidade das infrações penais normalmente cometidas por meio de organizações criminosas, mas também da condição de seus componentes, que muitas vezes ocupam posições de destaque político e financeiro.
O fato de a celebração dos acordos normalmente envolver agentes presos não significa, de maneira nenhuma, que as prisões sejam decretadas para essa finalidade. Ao estabelecer os requisitos para que o acordo seja celebrado, o art. 4º da Lei nº 12.850/13 é claro: devem estar presentes a eficácia e a voluntariedade. Não há, além desses requisitos – e, evidentemente, dos efeitos que o acordo deve produzir –, nenhum outro que diga respeito à restrição de liberdade. Aliás, se a prisão fosse, por si, pressuposto para a celebração do acordo haveria clara oposição à voluntariedade de que trata a lei.
A prisão preventiva tem fundamentos específicos que não se alteram pelo fato de o agente estar envolvido em crimes cometidos sob a forma de organização criminosa. Para que a decrete, o juiz deve se fundamentar na preservação da ordem pública ou da ordem econômica, na conveniência da instrução criminal ou na garantia de aplicação da lei penal. É ademais pacífica a orientação dos tribunais superiores de que esses fundamentos devem ter correspondência concreta, ou seja, não pode o juiz invocar a gravidade abstrata do crime, ou mesmo, baseado na gravidade do crime, tecer considerações abstratas sobre a personalidade do agente para justificar sua decisão (STJ: HC 382.857/SP, DJe 17/04/2017; STF: HC 136.784/SP, DJe 06/12/2016).
Dessa forma, os agentes integrantes de organização criminosa que celebram acordos de colaboração enquanto estão presos preventivamente se encontram nessa condição não pelo simples fato de que integram a organização, mas porque os crimes cometidos no âmbito da organização abalam a ordem pública ou a ordem econômica; ou ainda porque o poder econômico ou político conquistado por esses agentes pode ser utilizado para tumultuar o andamento do processo ou para tornar ineficaz eventual pena decorrente da condenação.
Por isso, aquele que é solto após a celebração do acordo de delação e, por algum motivo, descumpre um ou mais termos do compromisso não pode sofrer nova constrição de liberdade somente em razão do descumprimento. Foi o que decidiu o STF no HC 138.207/PR.
O tribunal foi provocado a decidir a respeito da legalidade da prisão preventiva de um réu que fora solto após celebrar o acordo – no qual havia se comprometido a efetuar a devolução de cinco milhões de reais obtidos por meio de corrupção –, mas que não o cumprira. Além disso, como o agente havia ficado fora do país por anos antes de ser preso, considerou-se que a manutenção do produto do crime evidenciava o risco de fuga.
O STF, todavia, afastou a privação da liberdade justamente sob o fundamento de que a prisão preventiva não tem ligação nenhuma com a colaboração premiada. Não há na lei nenhuma menção à revogação da prisão cautelar como efeito da colaboração, nem tampouco ao restabelecimento da prisão caso o acordo não seja cumprido.
Se o agente celebrou o acordo enquanto estava preso, e nele prometeu devolver o produto do crime, o qual, se estivesse solto, poderia utilizar para fugir, o ideal teria sido garantir o cumprimento do acordo antes de soltá-lo. E que se note: não para viabilizar os efeitos da colaboração em si, mas para fazer desaparecer o meio pelo qual poderia ele frustrar a aplicação da lei penal.
Para se aprofundar, recomendamos:
Livro: Comentários à Nova Lei sobre Crime Organizado
Curso: Carreira Jurídica (mód. I e II)
Curso: Intensivo para o Ministério Público e Magistratura Estaduais + Legislação Penal Especial